EPIDEMIAS DE DENGUE – Capacidade de Resposta a Contingências em Saúde Pública

Nas epidemias de dengue como as catástrofes que assistimos recentemente em Santa Catarina, expõem toda a fragilidade de uma sociedade.

Ao mesmo tempo em que suscitam um comportamento solidário da maioria das pessoas, também permitem que mecanismos de natureza política ocasionem fatos perturbadores.

A ocorrência de epidemias num ano de eleição conseguiu intervir em assuntos técnicos e não contribuiu para solução de questões cruciais já que a contenda desagregou ações que poderiam adquirir mais força quando construídas em conjunto.

“Um caso de dengue não se torna grave porque foi mal assistido”, esta afirmativa é sempre usada nas capacitações em manejo clínico do dengue, para convencer médicos e toda a equipe de assistência, que cabe tanto aos profissionais de saúde quanto aos acompanhantes do doente conhecer, reconhecer e intervir precocemente na medida que os sinais de gravidade aparecem.

O aumento da freqüência de casos graves registrados a partir de outubro de 2007 e durante a epidemia de 2008 na cidade do Rio de Janeiro, não pode ser atribuído apenas as dificuldades de funcionamento da rede básica de saúde da cidade. 


A ocorrência de infecções secundárias devido ao aumento da força de transmissão do vírus tipo 2, numa população altamente exposta ao vírus tipo 3, permitiu que a população como um todo, mas principalmente as crianças entre 5 e 9 anos de idade, fizessem infecção seqüencial pelo vírus tipo 2, fato que é descrito em muitos artigos como potencialmente mais propenso a desenvolver formas hemorrágicas.

Nem a epidemia nem o aumento da freqüência de casos graves foram surpresa; o Ministério da Saúde desde 2004, baseado em mudanças do perfil da doença relatado por alguns estados como o do Amazonas, havia preparado manual e realizado capacitações para o atendimento pediátrico.

Nesta epidemia, a área de assistência à saúde assumiu seu papel na gestão de crise e participou ativamente na organização dos Serviços de Saúde, o que contribuiu para melhorar nossos conhecimentos e prática no manejo clínico pediátrico do dengue.

A estrutura de assistência médica pública e privada não estava muito diferente desde a última grande “tsunami” em 2002; o dengue sempre foi uma doença em que a maioria dos casos é atendida pela rede ambulatorial ou básica que a despeito de seus problemas de cobertura, sempre se mobilizou e respondeu a estes momentos, ainda que com suspensão temporária de alguns serviços.

O assunto que tomou a mídia foi a formação de longas filas para o atendimento; todo aumento de número de casos esperado ou não, vai causar um aumento no tempo médio de espera de atendimento, em qualquer lugar do mundo (vide Epidemia de Dengue em Cingapura 2005), quer nos serviços públicos ou nos privados; o que faz diferença é termos ferramentas gerenciais que minimizem o problema, e a palavra é minimizar, pois é impossível atender a todos como se a situação fosse de normalidade.

O atendimento ao dengue não exige tecnologia, exige sim, atuação humana do médico usando todas as técnicas aprendidas na cadeira de Semiologia Médica। Dr.Eric Martinez costuma falar que o tratamento deve ser “encimático - em cima do paciente”.

Qual é hoje a maior fragilidade do sistema de saúde? É justamente a falta de Recursos Humanos.
As epidemias de dengue não podem ser evitadas, pelo menos com o conhecimento e ferramentas que dispomos até o momento para enfrentar o problema; cedo ou tarde mesmo nas cidades mais organizadas elas acontecem, novamente temos que lembrar o caso de Cingapura, e mesmo não as desejando são nossa melhor oportunidade para nos prepararmos para as contingências de saúde pública.

O papel da Vigilância Epidemiológica em detectar alterações de normalidade deve ser aprimorado, pois vigilância de dengue se faz através da ocorrência de casos e não apenas baseada em índices larvários do mosquito.

Na medida em que, aumenta a exposição da população a um maior número de tipos virais circulantes, aumenta a proporção de casos graves, que vão ser graves inevitavelmente, mas que se atendidos dentro de um sistema de saúde com competência técnica e gerencial terão seus riscos de morte reduzidos sensivelmente.

Autor (a): Cecilia Nicolai – médica de saúde pública da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e gerente da Gerência de Vigilância Epidemiológica de 1992 a 2008