Tudo Novo de Novo

As diversas mídias tem divulgado novas medidas de controle do dengue como identificação de áreas de maior risco, notificação compulsória de suspeita de dengue tipo 4 em 24 hs. e uso de "fumacê" preventivo.
A notificação de dengue é compulsória e sua investigação obrigatória em momentos não epidêmicos.  A mudança de padrão de transmissão de uma doença também deve ser comunicada imediatamente. Então  o que temos de novo em declarar a suspeita de dengue tipo 4 de notificação de 24 hs?
O Brasil conta com uma rede de vigilância de emergência de saúde pública bem estruturada e com um sistema de vigilância epidemiológica regido por normas e procedimentos padrões que já são capazes de responder a uma ocorrência como esta. Assim esta medida parece não promover nada de novo para a vigilância epidemiológica.
O uso do "fumacê" como instrumento de resposta política tem uma eficácia indiscutível, não existe um governador, prefeito ou secretário de saúde neste Brasil que não saiba disto.
A população se sente "protegida" quando os carros passam pelas ruas matando passarinhos, borboletas, alguns insetos, poluindo o ar, menos matando o Aedes aegypti o mosquito da dengue.
Temos muitos trabalhos provando a sua baixa eficácia, levamos anos tentando convencer a população do baixo custo benefício que seu uso permite, então qual a justificativa para seu uso preventivo? A única resposta que me ocorre é que seu uso pode desviar a atenção da carência de recursos humanos, mesmo nas áreas discriminadas pelo "Mapa de Risco".
Há muito se sabe da dificuldade de cumprir as diretrizes do programa por diversas razões como: insuficiência de recursos humanos, violência, diversidade cultural, características populacionais e habitacionais e outras.
Em função destas adversidades muitas iniciativas foram realizadas, algumas bem sucedidas outras nem tanto.  Mas o que é ser "bem sucedido" nesta área?  
Existem variados modelos para se identificar áreas de maior risco,  uns mais simples construídos com o conhecimento de casos e outros mais complexos, mas nenhum deles deve ser considerado definitivo. O  conhecimento acumulado, a experiência vivida em outras epidemias não deveriam ser ignoradas pois  tem um valor agregado inestimável.  Receita de bolo não funciona.
No Rio de Janeiro, o reconhecimento do valor destas iniciativas  tem sido problemático porque quando elas foram colocadas em prática a cidade  era governada por um prefeito de oposição. 
A política da "terra arrasada" foi praticada e infelizmente o que temos é um conhecimento técnico acumulado sendo sistematicamente desprezado.
O resultado desta prática é a perda de tempo trilhando caminhos já percorridos e a perda de oportunidade de fazer algo mais efetivo antes que uma nova "onda epidêmica" nos atinja.
Não existe nada de novo em se identificar áreas prioritárias de trabalho, assim como  não é vergonha nenhuma ter que eleger prioridades em função de limitação de recursos, afinal esta é a base da prática de políticas públicas. O problema é anunciar estas medidas como uma resposta inovadora e;  que a adoção delas vai nos desviar da rota de colisão em que nos encontramos para a próxima epidemia.
Este blog tem repetidamente veiculado a idéia de que epidemias de dengue são inevitáveis, o que faz do trabalho de controle do dengue uma tarefa mais desafiadora e angustiante ao mesmo tempo.
A ocorrência de epidemias de dengue está sendo regida por uma combinação probabilística do universo que rege as disputas dos vírus pelo mosquito para garantir  a propagação da espécie com nossa incapacidade de cuidar do meio em que vivemos, somado ao fato de  não colocarmos o bem estar acima de interesses políticos menores.
O momento epidêmico exige preparo da rede de assistência para o pior,  exige preparo dos dirigentes em todos os níveis de gerência para organizar adequadamente  os serviços de saúde para que possamos minimizar o impacto da perda de vidas. 
O momento exige divulgação de medidas de proteção individual, que sempre são desprezadas pelas autoridades públicas.
Uma epidemia se aproxima e espero que sejamos capazes de enfrentá-la valorizando o conhecimento acumulado em tantas outras epidemias de dengue.
Eu tinha um professor de história que costumava dizer que um dia acordaríamos com um tremendo barulho e numa imensa escuridão, este seria o dia em que o "saco" do sol estouraria por não tolerar mais tanta repetição dos fatos.
autor(a):Cecilia Nicolai





DENGUE - A CAVALARIA AINDA NÃO CHEGOU...

A falta de métodos efetivos para interromper a transmissão do dengue, como por exemplo, a existência de uma vacina, tem imputado a população em geral e aos governos em particular um preço muito alto, em vidas e em dinheiro público.

O dengue é uma doença sazonal e endêmica com períodos epidêmicos. Embora não sejam conhecidos claramente os fatores que determinam a elevação do número de casos, as epidemias vêm atingindo um número cada vez maior de cidades, com  ocorrência de casos mais graves, principalmente, entre as crianças, antes menos afetadas.

A mudança do padrão de severidade e as limitações do controle da doença vêm demandando um planejamento da área da assistência médica, não só em manejo clínico da doença, mas principalmente em gerenciamento de crise. Historicamente o dengue era uma doença que sobrecarregava a rede básica, mas em 2008,  esta tendência mudou a ponto de alterar a série histórica da proporção de casos internados na cidade do Rio de Janeiro.

Os anos que precedem os picos epidêmicos são marcados por aumento gradual  do número de casos no segundo semestre, semelhante a formação de uma onda. Uma epidemia se forma quando, ao acaso ou transportado por algum meio, um vírus epidêmico e mais agressivo emerge. As alterações dos padrões de incidência são atribuídas a um comportamento natural de uma doença viral, que não tem nenhum mecanismo de controle efetivo e não necessariamente,  a um fracasso das políticas municipais de controle do vetor. Nada pode deter a emergência de um vírus epidêmico.

Os anos que se seguem às grandes epidemias costumam cursar com diminuição acentuada do número de casos, explicado parcialmente por um esgotamento de susceptíveis e equivocadamente atribuída a um sucesso de alguma estratégia governamental colocada em prática durante a epidemia. Depois toda imprensa publica que o número de casos reduziram e todos comemoram.
A verdade é que a variação percentual do número de casos é uma medida que demonstra  o movimento da doença até a próxima onda se formar.

A propaganda do Ministério da Saúde anunciando a diminuição de 46% do número de casos no Brasil e o sucesso da estratégia “Todos Unidos Conta a Dengue” parece precipitada. A avaliação se baseia na comparação entre o número de casos ocorridos no primeiro semestre de 2008 com o mesmo período em 2009 no qual, o peso da epidemia de 2008 ocorrida no Rio é muito grande e uma redução de mais de 90% neste mesmo período influencia os números no Brasil.
Este mesmo comportamento foi observado nos anos de 2002 e 2003, o que descarta a possibilidade de se atribuir  esta diminuição à troca de governo municipal.

A pergunta que deve ser feita é: Esta diminuição do número de casos no Rio de Janeiro ou no Brasil pode ser atribuída às novas estratégias adotadas na cidade ou no país?

Tudo leva a crer que não, sem desmerecimento de qualquer iniciativa, mas no mesmo ano em que o Ministério da Saúde comemora a diminuição percentual do número de casos, a mídia regional denuncia aumento de casos no Mato Grosso do Sul, na Bahia, no Ceará e em inúmeras cidades de médio e pequeno porte, sem capacidade de influenciar os números nacionais como o Rio de Janeiro, demonstrando uma rápida capacidade de interiorização da doença.

No ano de 2009 as mídias locais reportaram aumento de transmissão até mesmo em cidades que são modelos para o Programa Nacional de Controle do Dengue (PNCD-MS), como Belo Horizonte em Minas Gerais.

A discussão sobre qual é a estratégia ideal para se eliminar o mosquito transmissor tem sido grande, muitas inovações tem surgido, porém considerando a velocidade com que a doença tem atingido os centros urbanos no Brasil, a incapacidade geral de sustentação de resultados “positivos”, e as perguntas sem respostas que temos acumulado mostra que ainda estamos distantes da solução.

O levantamento do índice de infestação larvário medido por amostragem (LIRA), com todas as suas limitações, tem o mérito de avaliar o resultado dos esforços na eliminação de mosquitos, mas não tem apresentado evidências de ter uma relação direta com o aumento do número de casos. Na cidade  do Rio de Janeiro, os anos com índices de infestação mais elevados, como o de 2005  coincidiram com as menores incidências da doença e,  os com menores índices com a epidemia de 2008.

A diminuição gradual destes índices coincidiu na prática, com a aplicação da estratégia de manejo integrado objetivando a eliminação de criadouros com maior potencial de produção de mosquitos (macrofocos). O que indica que não existe melhor estratégia, mas sim a mais adequada considerando a diversidade do espaço urbano, a região do país e nunca esquecendo que todas são limitadas.  
 
Neste cenário, as estratégias de controle mais bem sucedidas parecem ser todas aquelas que valorizam a integração das ações e o uso da inteligência epidemiológica, aplicadas tanto à rotina como durante os momentos epidêmicos, porque em se tratando de prevenção da doença, ainda estamos esperando pela “Cavalaria”.                            

(autora: Cecília Nicolai  cecilia.nicolai@gmail.com, @cecilianicolai)